quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Teeteto - Platão

Sócrates: Diz-me: Cada um dos sentidos por meio dos quais tu percebes o quente, o duro, o mole, o doce, não o atribuis ao corpo? Ou relaciona-lo com qualquer outra coisa?
Teeteto: Com nenhuma outra coisa.
Sócrates: Concordas em que aquilo que percebes por meio de uma faculdade te é imperceptível por meio de outra? Que a percepção que tens pelo ouvido não podes tê-la pela vista, que a que tens pela vista não podes ter pelo ouvido?
Teeteto: Como podia eu recusar isso?
Sócrates: Se o teu pensamento concebe alguma coisa que pertença às duas percepções simultaneamente, não era pela via do primeiro destes dois órgãos nem pela via do segundo que poderias obter essa percepção comum.


Teeteto: Certamente que não.
Sócrates: Assim, relativamente ao som e à cor, esse primeiro carácter comum é apreendido pelo teu pensamento como os dois são?
Teeteto: Certamente.
Sócrates: E também que cada um é diferente do outro, mas idêntico a si próprio?
Teeteto: Como é isso?
Sócrates: Que no conjunto são dois, e que cada um é um?
Teeteto: É verdade.
Sócrates: És capaz de examinar a sua dissemelhança ou semelhança mútua?
Teeteto: Talvez.
Sócrates: E qual será o meio por que tudo isso te vem ao pensamento? Nem pela vista, nem pelo ouvido pode ser apreendido o que neles há em comum. [...] Mas por qual instrumento se exerce a faculdade que te revelará o que há de comum nesses sensíveis como ao resto, e que tu designas por «é» ou «não é» e por todos os outros termos enumerados, a seu respeito, nas nossas últimas questões? Que órgãos impressionarão esses comuns e que servirão de meio para perceber cada um deles o que é que em nós percebe?
Teeteto: Tu queres falar do ser e do não ser, da semelhança e da dissemelhança, da identidade e da diferença, da unidade, enfim... Por tudo isso tu perguntas por meio de que órgão corpóreo nós temos, pela alma, a percepção.
Sócrates: Tu percebes maravilhosamente, Teeteto, é exactamente isso que pergunto.
Teeteto: Mas por Zeus, Sócrates, eu não podia encontrar resposta, senão que em minha opinião a primeira coisa a dizer é que os comuns não têm como os sensíveis órgão próprio. É a própria alma que por si me parece fazer, em todos os objectivos, este exame dos comuns.
Sócrates: Tu és belo, Teeteto.....Tu não és somente belo, mas bondoso para mim, pela abundância dos argumentos com que me respondes, se te parece, na verdade, que certas observações a alma as faz a ela própria e pela sua própria via que as outras são o resultado das faculdades do corpo. Era essa, com efeito, a minha própria maneira de pensar; mas eu desejava que tu lá chegasses por ti próprio.
Teeteto: Mas é assim que a coisa me parece.
Sócrates: Em que plano pões então o ser? Porque é ele que tem maior extensão.
Teeteto: Coloco-o no número dos objectos que a alma se esforça por atingir por si própria e sem intermediário.
Sócrates: O semelhante também e o dissemelhante e o idêntico e o diferente?
Teeteto: Sim.
Sócrates: E o belo, o feio, o bem e o mal?
Teeteto: É de tais determinações, sobretudo, que a alma me parece examinar o ser, comparando-os mutuamente quando coloca na balança, no seu cálculo interior, passado, presente e futuro.
Sócrates: Pára aí. A dureza do duro não será sentida pelo tacto, o mesmo acontecendo com a moleza do mole?
Teeteto: Sim.
Sócrates: Mas sobre o seu ser, a dualidade do seu ser, a sua mútua oposição, é a própria alma que, num retorno frequente sobre cada um e por meio do seu confronto mútuo, experimenta tirar deles um juízo.
Teeteto: Perfeitamente.
Sócrates: Então, logo após o nascimento os homens e os animais têm o poder da sensação para todas as impressões que, pelo canal do corpo, caminham para a alma. Mas os raciocínios, que confrontam essas impressões nas suas relações com o ser e o útil, é pelo esforço e com o tempo, ao preço de um múltiplo labor e de uma longa aprendizagem, que chegam a formar-se naqueles em que se formam.
Teeteto: Absolutamente.
Sócrates: Aquele que não atinge o ser pode atingir a verdade?
Teeteto: Impossível.
Sócrates: E poderá alguma vez haver ciência onde se não atinge a verdade?
Teeteto: Como é que poderia, Sócrates?
Sócrates: Não é então nas impressões que reside a ciência, mas nos raciocínios sobre as impressões. porque o ser e a verdade, parece-me, podem atingir-se pelo raciocínio e não pelas impressões.
Teeteto: Com verosimilhança. E assim, está provado o mais manifestamente possível que a ciência é diferente da sensação."

[Platão, "Teeteto", 184e a 186e]

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