segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Influências

Vinicius de Moraes - Imitação de Rilke

Alguém que me espia do fundo da noite
Com olhos imóveís brilhando na noite
Me quer.

Alguém que me espia do fundo da noite
(Mulher que me ama, perdida na noite?)
Me chama.

Alguém que me espia do fundo da noite
(És tu, Poesia, velando na noite?)
Me quer.

Alguém que me espia do fundo da noite
(Também chega a morte dos ermos da noite…)
Quem é?

Vinicius de Moraes



Rainer Maria Rilke (Praga,1875 - Valmont, Suíça, 1926), foi um importante escritor. Depois de poemas de gosto neo-romântico, recolheu o que escrevera entre 1899 e 1903 no volume Stunden-buch (Livro das horas), marcado pela reflexão mística.

Decisivo para seu amadurecimento artístico foi o convívio com Rodin, em Paris, de 1905 a 1906, quando abandonou a musicalidade vaga em favor de um maior senso da forma e de uma atenção ao contorno das coisas reais. Os poemas deste período, 1907 a 1908, apareceram em Neue Gedichte (Novos poemas). Até o início da I Guerra Mundial, Rilke viveu em Paris, viajando pela Europa e norte da África.

Suas célebres Duineser elegien (Elegias de Duíno), iniciadas e concluídas em 1923, deixam ver uma extrema sabedoria estético-filosófica no tratamento de temas essenciais da condição humana, como a morte, o amor e o tempo. Sua obra em prosa mais importante, iniciada em 1910, são Aufzeichnungen des Malte Laurids Brigge (Os cadernos de Malte Laurids Brigge). Rilke morou em Munique durante quase toda a I Guerra Mundial e em 1919 mudou-se definitivamente para Sierra (Suíça).

Sua obra exerceu grande influência sobre a literatura dos anos cinqüenta, incluindo-se a brasileira, e a poesia de Vinicius de Moraes não foi uma exceção.

Allegro - Vinicius de Moraes

Sente como vibra
Doidamente em nós
Um vento feroz
Estorcendo a fibra

Dos caules informes
E as plantas carnívoras
De bocas enormes
Lutam contra as víboras

E os rios soturnos
Ouve como vazam
A água corrompida

E as sombras se casam
Nos raios noturnos
Da lua perdida.

Oxford, 1939.
Vinicius de Moraes

O tempo nos parques - Vinicius de Moraes


O tempo nos parques é íntimo, inadiável, imparticipante, imarcescível.
Medita nas altas frondes, na última palma da palmeira
Na grande pedra intacta, o tempo nos parques.
O tempo nos parques cisma no olhar cego dos lagos
Dorme nas furnas, isola-se nos quiosques
Oculta-se no torso muscular dos fícus, o tempo nos parques.
O tempo nos parques gera o silêncio do piar dos pássaros
Do passar dos passos, da cor que se move ao longe.
É alto, antigo, presciente o tempo nos parques
É incorruptível; o prenúncio de uma aragem
A agonia de uma folha, o abrir-se de uma flor
Deixam um frêmito no espaço do tempo nos parques.
O tempo nos parques envolve de redomas invisíveis
Os que se amam; eterniza os anseios, petrifica
Os gestos, anestesia os sonhos, o tempo nos parques.
Nos homens dormentes, nas pontes que fogem, na franja
Dos chorões, na cúpula azul o tempo perdura
Nos parques; e a pequenina cutia surpreende
A imobilidade anterior desse tempo no mundo
Porque imóvel, elementar, autêntico, profundo
É o tempo nos parques.

Vinicius de Moraes

Vinicius de Moraes - Bilhete a Baudelaire

Poeta, um pouco à tua maneira
E para distrair o spleen
Que estou sentindo vir a mim
Em sua ronda costumeira

Folheando-te, reencontro a rara
Delícia de me deparar
Com tua sordidez preclara
No velha foto de Carjat

Que não revia desde o tempo
Em que te lia e te relia
A ti, a Verlaine, a Rimbaud...

Como passou depressa o tempo
Como mudou a poesia
Como teu rosto não mudou!


Los Angeles, 1947.
Vinicius de Moraes